O Processo de um Filme.

Aos que visitam o blog pela 1ª vez, recomendamos que leiam primeiro os posts mais antigos, para compreender melhor o que estamos fazendo. Para isso basta descer nesta página e clicar em POSTAGENS MAIS ANTIGAS. Sejam bem vindos.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Cena de apresentação Sofia

Cena 1

Quarto de Sofia. Música alta. Seu armário está aberto e ao redor tudo o que se vê são roupas e mais roupas espalhadas pelo quarto. Uma mala aberta no chão, completamente cheia. Sofia está desesperada. Tenta fazer mais roupas caberem na mala, tira algumas para caberem outras, mas não consegue se decidir entre aquela calça ou a outra, entre as 15 blusas que separou. Toalha, lençol, escova de dentes, shampoo, tudo isso ainda está para fora da mala. Vemos Sofia bastante irritada.

Cena 2

Sofia na madrugada. Ruas de São Paulo; vazias. Chuvisco fino e frio. Caminha rápido e fuma. Encontra Lia na esquina, de capa de chuva, também fumando, encostada num poste. A cena é soturna. Uma cena ao estilo dos filmes de mafiosos, espiões e coisas do tipo. Há um suspense no ar. É como se elas estivessem fazendo algo muito perigoso. Nas suas roupas, pequenos detalhes dão a impressão de que elas estão disfarçadas. Conversam em sussurros:

Sofia - Pegou tudo?
Lia – Tudo tudo não. E você?
Sofia – No fim, peguei só isso daqui.
Lia – Cigarro?
Sofia – E um biquíni.
Lia – Eu trouxe essa roupa no corpo, meu maço no bolso, e essa catainha aqui.
Sofia – Já ta na hora?
Lia – Quase. Faltam 5.
Sofia – E é aqui mesmo?
Lia – Ahã.

(silêncio entre elas)

Lia – Tá com medo?
Sofia – Claro que não.

(Outro silêncio entre elas)

Sofia – Chuvinha chata.
Lia – A gente vai sentir falta desse chuvisco paulista.
Sofia – Impossível.
Lia – É nada.
Sofia – Eu não quero sentir falta de nada, sabia?
Lia – E se de repente você perceber que talvez não precise voltar?
Sofia – É.
Lia – É.
Sofia – É aquele carro ali?
Lia – Só pode ser.

(o carro faz um sinal com o farol. É um código.)

Sofia – Preparada?
Lia – Não.
Sofia – Nem eu.
Lia – Vamos?
Sofia – dois e já!

Lia e Sofia saem correndo, como espiãs, terroristas, marginais fora da lei, guerrilheiras ou algo do gênero.
Alguém dentro do carro abre a porta e mal elas entram, o carro sai cantando pneus.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Cena de apresentação Adelita

Cena 1. Externa
Av.Paulista - em frente ao MASP. final de tarde, dia de semana. Movimentação de carros, pessoas, barulho, buzinas.

Ação:
Adelita está sentada numa cadeira, do outro lado da rua, com uma bandeja de prata no colo contendo 25 biscoitos da sorte sortidos em cima da bandeja. Em silêncio. Na mão esquerda segura 25 bexigas de gás hélio, brancas. No chão, ao redor da sua cadeira, formando um círculo está escrito em giz : "Tudo está dentro dos biscoitos da sorte. Sirvam-se".
A carta de despedida do pai é o contéudo dos biscoitos da sorte. A cada pessoa que passa por ela e pega o biscoito, uma bexiga voa pela cidade. A câmera pega a reação das pessoas lendo o conteúdo dos biscoitos, mãos puxando o papelzinho. A câmera foca a rua, os passantes, eu na situação. Todos os atores passarão pela Paulista e pegarão o biscoito. a Lia atravessa a rua com a Sofia e pega. O Galo e a Papi de mãos dadas pegam dois. A Bel desce do busão e pega um. O Wagner, o Gongom e o Tom passam sozinhos, rapidamente. Quando sobrar apenas uma bexiga e um biscoito da sorte, Adelita se levanta e com a bexiga e o biscoito na mão caminha até a porta do Hospital 9 de julho. Deixa um biscoito na porta do hospital. Guto aparece do outro lado da rua. Se olham. O sinal fecha. Atravessam. Se beijam. A última bexiga voa pela cidade. Sinal abre. Eles continuam se beijando em meio as buzinas e carros. Close na bexiga voando.

Texto em off para a ação acima:
"Então, para suportar isso tudo, eu pensei numa performance que conta com a sorte. Ou com o azar. Que conta com o acaso, com a surpresa, com o inevitável, com a dúvida. Com aquele momento que a gente não sabe o que fazer e pede ajuda aos astros, aos búzios, as cartas, ao I Ching, a Clarice, ao Pessoa, aos mestres, antepassados, amigos e inimigos. Aos deuses e demônios. A gente conta até com a sorte dentro dos biscoitos. Qualquer ajuda é bem vinda. Nenhuma funciona. Foi no dia 07 de dezembro de 2009. Eu entrei no hospital aquele dia e ele disse: - Escrevi uma carta. Leia em voz alta, filha.
Antes de ler já soube que era uma carta de despedida. Então, hoje eu picotei o conteúdo e espalhei dentro desses biscoitos. Tá tudo aqui. Tudo dentro desses biscoitos da sorte que hoje eu ofereço para os desconhecidos."


Lia ao telefone.
-Oi Gongão, foi você que me trouxe?
-Não???
-Ah, nada não... só queria tirar uma dúvida, então tá, a gente se vê mais tarde.
-Beijo.

Lia na Cinemateca, pergunta ao moço da portaria.
-Oi, acharam uma mochila ano retrasado, em setembro mais ou menos?
-Olha, isso já faz muito tempo, não acha não? Com certeza a mochila não está aqui, se a achamos, já deve ter tido um outro destino.
-Nossa, eu preciso tanto dela, preciso pra ir viajar...
-Mas moça, você já está sem ela faz mais de um ano e meio!
-Pois é, é esquisito, mas preciso dela pra ir viajar mesmo, senão não dá.
-Ó, eu sinto muito moça, mas acho que não vou poder ajudar, faz muito tempo mesmo.

Lia no posto de gasolina da Cena Madureira, mesmas perguntas , mesmas respostas.

Lia no Empurra-empurra (monumento), Guto aparece:
-Desencana Liazona, vai sem ela.
-Não dá, Guteba, não consigo.
-Tá com medo de quê? Tem um monte de mochila que vai com a gente.
-Eu preciso guardar certas coisas que não cabem no bolso, as coisas que não cabem em mim...guardar na mochila, pra dar uma divididinha, sabe? A vergonha por exemplo, que me cerca, imagina ela toda só comigo...
-Puta Liazona, você não precisa de uma mochila. Deixa tudo aqui, ou quase tudo... é mais fácil sem tanta coisa pra carregar.
-Será?
-Sim, vai indo pros lados de casa que eu vou buscar a Bijourica. E olha a chuva heim, num tem um guarda-chuva no seu bolso, não, Bichinho?
-Pó deixa, eu amo a chuva.
-Vamo ATRAVESSAR, Liazona!

Lia tira do bolso um texto xerocado, dois maços de cigarro vazios, uns papéis, procura um lixo e vai embora sorrindo.

terça-feira, 20 de abril de 2010

"Um Convite" - Cena de Apresentação de Tom

1. INT. / DIA - BAR DO BIRO - ENTARDECER

A câmera registra detalhes do Bar do Biro quase vazio num
final de tarde: A mesa de sinuca tosca, um frequentador no
balcão, o Gazeta Esportiva na TV, o Biro cortando um
salame, as pinturas na parede.
Ela então olha para fora e vê por entre as grades Tom
chegando. Ele dá um último trago no cigarro e joga a
bituca fora, então entra no bar procurando alguém até que
olha para a câmera, sorri e vai até ela.

TOM
Demorei, né? Cê tá aí a muito
tempo?

Biro chega com um copo para Tom e com uma porção de
salame.
TOM
Ô Biro, valeu. Tudo certo? Tá
sorrindo à toa com o Santos,
hein?

BIRO

É rapaz... Qualquer coisa, tamo
às ordens.
TOM
Belê Biro, valeu.

Tom se serve de cerveja e completa o copo da outra pessoa
sentada com ele. Ele está um pouco nervoso, mas tenta
parecer tranqüilo.

TOM
Prazer em dar prazer, o Biro tá
sempre sorrindo... E aí?

Tom encara a câmera e sorri.

TOM
Bom, a razão que eu te chamei
aqui é... Como dizer?

Dá um gole na cerveja.

TOM
Eu te chamei aqui para te fazer
um convite. O lance é que eu
adoro estar ao seu lado e quero
que isso aconteça mais vezes.
Quero que aconteça sempre.

Tom pára pra pensar. Dá um gole na cerveja, coça a cabeça.

TOM
Quando eu era pequeno e voltava
de um filme que eu gostava,
ficava brincando com meu irmão de
ser aqueles personagens. O lance
dos filmes que eu gosto é que tem
pessoas apaixonantes. Pessoas
apaixonantes vivendo vidas
apaixonantes. Bom, o motivo
porque eu te chamei aqui é esse.
Você é um tesão de pessoa com
tesão pela vida.

Dá outro gole. Deixa o nervosismo prolixo de lado, encara
a câmera sério.

TOM
Eu quero inventar uma vida pra
mim. E quero que você faça parte
dela, quero que a gente invente
junto.

Tom sorri.

TOM
E aí, bora se aventurar na
estrada?

Primeira Cena Bel

Int. Dentro do ônibus - Tarde

Através do vidro se vê a cidade de São Paulo: o trânsito das 5h da tarde que paralisa o tráfego.O ônibus está vazio, com apenas algumas pessoas dispersas e sentadas. Isabel está de pé. Com uma das mãos se segura no ônibus, com a outra coça, intercaladamente, o nariz, os olhos e a cabeça num ritmo acelerado, demonstrando impaciência e pressa. Seu olhar ora se perde no infinito, ora busca, do lado de fora da janela, um lugar familiar.

(Ouve-se o sinal do ônibus para parar. O dedo de Isabel está pressionando o botão incessantemente.)


Int. na cozinha da casa de Isabel - pôr do sol

Uma luz natural incide sobre o rosto de Isabel enquanto almoça lentamente. Entre uma garfada e outra, tica itens de uma folha de papel. Circula várias vezes tudo o que falta na lista e volta a comer, agora com a respiração mais tensa. Olha a comida restante no prato.

(Ouve-se a buzina de um carro lá fora.)


Levanta da cadeira atordoada

              ISABEL

Ai, Meu Deus... 

Foco em seu rosto. Isabel está com os olhos cerrados e um sorriso tímido vai nascendo.

(Som de papel sendo rasgado)

Cena de apresentação Guto

Interna – Casa do Guto / tarde.

Vemos as costas da cabeça de Guto apoiadas no sofá e a frente a televisão. O programa é Casos de Família com Cristina Rocha. Após alguns segundos de programa a câmera faz a volta e pega Guto de frente prostrado no sofá de calça de moletom, cara amassada, sem nenhum tipo de latência ou vivacidade no rosto, completamente apático. Há um cinzeiro no braço do sofá. Essa imagem permanece por alguns segundos.

Interna – Casa de show – noite.
É show da Trupe Chá De Boldo. Momento do show no qual Guto declama ardentemente o poema:
Me queimo
Ardo
Me inflamo quando me atiro vivo em tuas veias
Seivas
Suores
Teu corpo
Um rio de fogo em que me afogo sem pedir socorro a ninguém
Tua língua
Saliva
Labareda que me percorre por dentro, por fora, à margem
Até minha carne viva encontrar a tua carne em flor
E finalmente eu for
Um rio
Um rio dentro do teu mar

Outro momento do show: Guto cantando a música Eu Não Presto: “...quando eu subo no palco eu mato a cobra e mostro o pau...” Em ambos os momentos sua sensualidade, vivacidade, tesão e liberdade sobre o palco fica explícito. (não pensei na edição para que não precise mostrar os dois momentos inteiros, acho que era legal intercalar com as pessoas dançando na pista também, o barulho e o escuro da balada, sei lá...).

Interna – Casa do Guto / madrugada

Vemos Guto prostrado no sofá. Com uma mão zapeia os canais da televisão (além da imagem isso fica claro com o áudio) e com a outra fuma. A cena permanece por segundos.

Interna / Quarto do Guto / manhã

Guto, acelerado, ansioso, com o coração batendo de pressa colocando as últimas coisas na mala. Foco para última coisa que é o figurino do personagem Tobias. Já pronto liga para o Tom:

Zezé!
Zezé é hoje!
To lógico. Eu vou pegar a Bijou, a Lia, o Galo e a Bel e logo mais tamo aí Muteminhaaa!
Sabe que eu queria saber? (procurando uma caneta) Como é exatamente a frase do Guimarães?

Vemos Guto escrevendo na parede de seu quarto: “Vida devia ser como na sala do teatro, cada um inteiro, fazendo com forte gosto seu papel, desempenho. Era o que eu acho, é o que eu achava.”.

Um propósito

"O propósito que o guiava não era impossível, ainda que sobrenatural. Queria sonhar um homem: queria sonhá-lo com integridade minuciosa e impo-lo à realidade."

Jorge Luís Borges - Ficções

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Gomgom por Bel

É Bríncadêra. 
Já foi rascunho, papel amassado, unhas ruídas e eu não sei porque é tão difícil falar assim do Gomgom. Talvez porque só agora eu tenha reconhecido o revés dessa figura e queira falar sobre ela. Mas daí penso que não devo ter sacado nem a metade.
Agora, depois da bebedeira em Camburi, de alguns carnavais fora de hora. Agora, depois de ter dormido encolhidinha no sofá da sua casa, de ter rido com você locão aqui na minha casa dublando as pessoas através do vidro. Agora, que te reconheço sóbrio. Agora, que te vejo articulado com as palavras, dando rodeios no mesmo assunto sem fazer a gente perceber. Um homem sério? Não, não é pra tanto, mas não é só o cara engraçadão da turma. 

Que ele tem uma coisa de ser gostado em unanimidade numa fração de segundos, eu não tenho dúvida. O gomgom tem um carisma que te envolve. Ele é sim cheio da graça e coleciona todo o repertório trash da cultura pop. Guenta até o fim da balada, aliás, é com ele que o sangue ferve na trupe.
A monotonia pode até ser interessante, mas ele gosta mesmo é do calor de gente reunida. Olha, acho que se apertar bem, cabe todo mundo no colchão da Nasa, hein. Daí maravilha. É só ligar no Larica Total.

(ele nem sabe, mas aquele dia no parque é que me convenceu em fazer o filme)

É, Gomgom, 
foi, desde o início, almejo à primeira vista. 

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Duas faces de Bel

Bel pactária:

http://www.youtube.com/watch?v=iWqR5d61T0Y

Elisa:

Parte 1 - http://www.youtube.com/watch?v=l8s6gejRV48
Parte 2 - http://www.youtube.com/watch?v=lJk9jiuRwQY

terça-feira, 13 de abril de 2010

Valdeci

Valdeci. A descrição do personagem criado por Pedro Gongom está no youtube:

http://www.youtube.com/watch?v=-_kTRg8-PmY

Gongão por Liazona na primeira pessoa

Eu canto em falsete na ponte aérea Fartura(Rancho)-Vegas.
Nutro-me das risadas ao meu redor e gosto de produzí-las. Sou muito bom nisso e quase incansável.
Faço graça do meu sofrimento, e quando não acontece guardo-o só pra mim. Porra, todo mundo sofre.
Sou mesmo engraçadão e vejo-me como são mesmo em momentos de maior loucura. Eu acho que os outros não me vêem em outros lugares que não os meus, mas eu assim me vejo quando quero. Gosto de participar, disso preciso.
Consigo ver em todos um lado bom e legal, consigo ver o que nem todos vêem, vejo longe, mas gosto de ficar por perto.
Conheço muito bem os mundos ao meu redor e passeio com tranquilidade e naturalidade por todos eles.
Tenho muitos amigos, incontáveis, variáveis, mas amigos e é isso que me importa.
Acabo de assistir SuperPop e em algumas horas passo no estúdio, no Genésio e porque não começar o dia emendando a noite na sinucona do Largo da Batata. Gosto de companhia pra isso tudo, ficar sozinho é um pouco entediante.
Amo muito, mas não faço questão de ficar declarando-o o tempo todo.
Sou dado e misterioso.
Sei me vestir muito bem e trago um charme praticamente irresistível, encanto e conquisto. Adoro!
Sou branco leite, familia ritualizo, cozinho, rio, faço rir, toco bateria, leio sim.
Fiz Sociais mas Licenciatura nem fudendo, sou Bacharel e tá bom.
Pedro Gongom, muito prazer.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Noel

Noel está online:

Noel, sua mulher, seus sete filhos, suas três noras, seus dois cachorros, dois gatos e as suas duas cacatuas.

Parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=X3regoA9-7c

Parte 2: http://www.youtube.com/watch?v=P5Eox1UXF7w

nome

e se fosse Travessias ?

terça-feira, 6 de abril de 2010

Clarice

Ei-la, Clarice, a personagem da Adelitinha:

http://www.youtube.com/watch?v=oWbVAKfUQ3M

domingo, 4 de abril de 2010

Eu por mim mesma, na 3º pessoa. (Isabel)

Contaminada pelo passional-racional - daí muito do que fortalece suas contradições. É de admirar o vai-e-vem do mar incansavelmente. Suspeita-se que seja filha de Yemanjá. Acha graça nas pessoas. Confusa, prolixa, o pensamento não corta a língua com precisão. Só acredita no amor. E ama. Inflama. Derrama. Sofre de maleabilidade. O bicho tempo costuma comer sua vida e, quando percebe, já passou. Queria o tempo elástico! Ansiosa e lenta. É doce, mas gosta do humor ácido. A auto-crítica te paralisa. Às vezes muito dura consigo mesma. Perfeccionista. Precisa tomar florais pra fazer florescer coragem. Sempre acha que fez pouco, mas prefere o muito. Teme a solidão. Teme bastante coisa, na verdade. Tem siricuticos. Tique-tique nervoso que se desarma em chororô e logo logo num sorriso líquido.

Elisa

Família daquelas que chamam tradicional, católica fervorosa, hipócrita. Elisa - 18 anos, mineira de pai, mãe e nascença. Da religião ela entendia, tinha feito com gosto e destreza o trabalho de primeira comunhão aos 7. Era o xodó da mãe. Eram em 5 irmãos. Elisa, a terceira. Do mar pouco conhecia além dos fins de semana cinzentos com cheiro de óleo na costa do Espírito Santo, mas conseguia imaginar a maravilha da imensidão azul por um conto uruguaio que um amigo lhe mostrara. A imagem do menino que vira o mar pela primeira vez junto ao pai contaminava Elisa de tal modo, que a delicadeza daquela estória agora lhe pertencia. Elisa era virgem dos olhos do mar.
A infância foi marcada pelas férias na fazenda do tio avô - que mais tarde haveria de ser perdida pras jogatinas masculinas. Era primaiada por todo o canto. O pai, severo, em plena atividade patriarcal. Coisa que Elisa condenava sem saber bem o porquê, mas que sob o consentimento dos olhos apaixonados da mãe, teria de aceitar.
Naquele tempo havia amor entre os pais. A mãe não tinha adoecido. A família não sufocava. Tudo parecia caber na compreensão-de-menina de Elisa. Parecia leve...

Daí veio a separação, a morte, o colégio interno. Os irmãos dispersos, o fim da fazenda e da infância.
Não tinha mais os beijinhos açucarados da mãe.
Tinha era uma alma solta, confusa, que vagava nas sacristias geladas em busca de um acontecimento.

Assim formou-se a vontade da independência, a curiosidade que transbordava dos livros, a coragem que se firmava numa menina de mãos atadas, presença forte.
Elisa queria descobrir os desejos. A pele queria colar em outra pele, o coração queria pulsar mais forte, os olhos precisavam abraçar o mundo - e, certamente, não daria pra esperar os quase distantes 18 anos.
A feminilidade nascia espontaneamente naquele corpinho miúdo. O bico do peito já deformava a camiseta do uniforme branco exigido pelas freiras, a respiração palpitava. Os poros se abriam para fazer expandir a erupção de dentro de Elisa.
O corpo, num sobressalto, aqueceu as paredes mofadas da capela principal. Era vapor pra todo lado. Então o sino bateu e a porta do colégio interno se abriu. Não tinha ninguém esperando por ela, nem família, nem fazenda, nem conto uruguaio.
Só o vento.