O Processo de um Filme.

Aos que visitam o blog pela 1ª vez, recomendamos que leiam primeiro os posts mais antigos, para compreender melhor o que estamos fazendo. Para isso basta descer nesta página e clicar em POSTAGENS MAIS ANTIGAS. Sejam bem vindos.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Cena para Tobias

Todos dormem. Tobias acorda. Começa a fuçar dentro das malas de todos. Encontra um batom na mala da Clarice. Passa o batom no Gongom. Na mala do Dionisio ele encontra uma pasta de dente. Desenha um coração na bochecha do Dionisio. Lê bilhetes do namorado da Bel. Coloca uma flor no cabelo dela. Pega um cigarro da mala da Sofia. Fuma. Mexe no bolso do Wagner, pega um trocado. Avista a mochila da Lia. Tira todos os seu pertences e arruma-os de uma forma peculiar. Pega um pandeiro. Coloca dentro da mochila..Sai para rua, para a madrugada, com a mochila nas costas.

Cena para Sofia

6 da manhã. Três pessoas ao longe descem uma rua comprida. Aos poucos vamos distinguindo os corpos – parecem ser 2 homens e uma 1 mulher de cabelos compridos. Os meninos se abraçam pela cintura enquanto um deles segura a menina pela mãos. Vemos apenas o vulto dessas pessoas. Um dos meninos pula nas costas do outro, que quase cai. Os três riem. Os meninos se beijam. Pela claridade do dia, enxergamos os corpos – que antes eram apenas vultos. Sofia era o menino que pulou nas costas do outro. Agora os três estão de mãos dadas, e andam rindo, tropeçando e acariciando um ao outro. O menino e a menina se beijam, Sofia anda um pouco na frente, estão em direção da casa dela. Chegam na porta do prédio. Os três se abraçam.
Sofia tenta entrar no prédio, eles a seguem e ela diz:
- Acho que eu quero dormir sozinha.
Os três se olham, ficam em silêncio.
Sofia diz:
- Acho não. Eu quero.
E entra rápido. Os dois seguem andando e rindo pela rua.


Na entrada do seu apartamento Sofia encontra um quadro embrulhado. Ela pega o quadro e segue em direção ao quarto. Wagner está dormindo. Ela senta na cama. Abre o quadro, é um quadro azul com o rosto de um homem. Ela olha para a cama novamente. Wagner não está. Sofia chora. Coloca o quadro do lado dela e deita. Pega um laptop. Abre o computador. O fundo de tela é uma foto bonita dela e do Wagner. Ela entra no seu blog e escreve um texto sobre isso ("Embasbaque")

sobre FILMES DE ESTRADA II

Iracema: uma Transamazônica.

O filme de estrada é uma ferramenta de mapeação dos espaços.
Nele se encontra o desejo de registrar determinado espaço - país, localidade - em transformação.
Registrar essa passagem. Geralmente com um senso crítico muito forte, e talvez por isso mesmo um tanto nostálgico. A modernização enquanto elemento descaracterizador das culturas.

Bye-Bye Brasil.

E agora?
E hoje?

Copa do Mundo.
Olimpíada.
Brasil, país do futuro?

Isso me vem à cabeça. E penso, se nosso filme fosse feito durante a copa, seria um outro filme: a celebração ou frustração registrada enquanto rito futebolístico.

É hexa!

Sobre FILMES DE ESTRADA I

Walter Salles diz que o filme de estrada está na origem do cinema; isto é, dos documentaristas que viajavam para recantos "desconhecidos", com o intuito de fazê-los fotografáveis. Há um ímpeto imperialista nisso. Há uma visão etnocêntrica também.
Hoje, com o mapeamento quase que absoluto de todos os espaços e cantinhos do planeta, via GoogleMaps, via câmera digital de celular, há um esvaziamento desse sentido.
O Mundo - de Jia Zanghke - é o paradigma dessa condição: a supressão dos espaços.
No mais, é preciso viver as coisas na primeira pessoa, como ele afirmou. Ou seja, é preciso reafirmar uma subjetividade. Alguém que vê as coisas, e o interesse que esse olhar pode despertar.

Win Wenders afirma que a origem do filme de estrada se encontra nas primeiras pinturas rupestres. O que não deixa de ser uma afirmação de que está na origem do cinema também, ainda que mais auto-valorativo que a posição do Waltinho.

Easy Rider, e o próprio filme Diários de Motocicleta, se encontram na linhagem dos filmes em que o que está em jogo são os conceitos de liberdade e identidade. Nosso filme, por hora, é herdeiro dessa tradição.
Na outra ponta, e mais contemporaneamente, temos os filmes de Jia Zanghke e outros, em que o movimento das pessoas se dá por razões econômicas e políticas, num movimento de perda da identidade.
Viajo Porque Preciso é um misto dessas duas posições.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Apresentação Dionísio Paixão

Apresentação Dionísio Paixão.

Interna. Boteco – Começo de noite.

Pequeno boteco em algum lugar do sul da Bahia. Não há ninguém além de Dionísio e seu Messias - o dono do bar.

Dionísio está com o antebraço direito apoiado no balcão e as pernas cruzadas.

Dionísio: Vai Seu Messias, já que não tem fernê me vê uma pinga e um café. O café pra acordar. E a pinga... Pra acordar mais ainda! Rará

Messias coloca o café e a dose de pinga sobre o balcão. Dionísio vira o café no copo de cachaça e manda 2/3 pra dentro num só gole.

Dionísio: Aaahhh... mmm... Ô Seu Messias, você sabia que a palavra SABOR e a palavra SABER têm a mesma origem etimológica?

Seu Messias faz que não entende, mas demonstra interesse.

Dionísio: Pois é Seu Messias, a MORNOdenidade ainda não entendeu isso . Informação por informação é ração Seu Messias! Isso aqui ó (ergue o copo) é conhecimento! (Vira o restante do café destilado). Rará.. Agora o senhor me dá licença, Seu Messias, que os libertinos da madrugada me aguardam para saborear o arco da lua.

Dionísio puxa o violão que estava apoiado do lado de dentro do balcão e sai cantando:

Dionísio: “Quem me vê de manhã pensa que eu vou trabalhar, quem me vê de manhã pensa que eu vou trabalhar, eu vou pra casa descansar, porque eu passo a noite inteira na orgia”

Já no fim da rua, pra um que está na janela do predinho da esquina:

Dionísio: Fala Pelé! Cuidado com o Edson hein! Rará

Cena sonho Lia (CORPO)

Corpo

Interna. Quarto da Lia – Noite.

Um abajur ao lado da cama é responsável pela pouca luminosidade existente no quarto.

Lia está deitada na cama de olhos fechados. Aos poucos adentram o quarto: Tom, Guto, Gongom, Bel, Adelita, Galo, Sofia e Wagner. Todos vão se colocando ao redor da cama e aos poucos começam a tocar o corpo de Lia que permanece estática. Toques a princípio carinhosos, mas que com o passar do tempo se tornam libidinosos e quase violentos. De repente, a mesma ação, só que agora todos vestindo máscaras neutras. Lia permanece estática.

Interna. Sala da casa da Bel – Fim de tarde.

Bel e Lia estão sentadas no sofá com garrafas long neck de cerveja na mão. Depois de um silêncio e olhares cúmplices:

Bel: E aí?

Lia: E aí eu acordei (dá um gole).

Silêncio...

Lia: Que merda, né? Que grande merda fedida!

Bel: Por que “que merda”?

Lia: Ué mano. O que eu posso fazer? Escrever um poema? (Dá um longo gole).

Cena de apresentação Guto

Interna – Casa do Guto / tarde.

Vemos as costas da cabeça de Guto apoiadas no sofá e a frente a televisão. O programa é Casos de Família com Cristina Rocha. Após alguns segundos de programa a câmera faz a volta e pega Guto de frente prostrado no sofá de calça de moletom, cara amassada, sem nenhum tipo de latência ou vivacidade no rosto, completamente apático. Há um cinzeiro no braço do sofá. Essa imagem permanece por alguns segundos.

Interna – Casa de show – noite.

É show da Trupe Chá De Boldo. Momento do show no qual Guto declama ardentemente o poema:

Me queimo

Ardo

Me inflamo quando me atiro vivo em tuas veias

Seivas

Suores

Teu corpo

Um rio de fogo em que me afogo sem pedir socorro a ninguém

Tua língua

Saliva

Labareda que me percorre por dentro, por fora, à margem

Até minha carne viva encontrar a tua carne em flor

E finalmente eu for

Um rio

Um rio dentro do teu mar

Outro momento do show: Guto cantando a música Eu Não Presto: “...quando eu subo no palco eu mato a cobra e mostro o pau...” Em ambos os momentos sua sensualidade, vivacidade, tesão e liberdade sobre o palco fica explícito. (não pensei na edição para que não precise mostrar os dois momentos inteiros, acho que era legal intercalar com as pessoas dançando na pista também, o barulho e o escuro da balada, sei lá...).

Interna – Casa do Guto / madrugada

Vemos Guto prostrado no sofá. Com uma mão zapeia os canais da televisão (além da imagem isso fica claro com o áudio) e com a outra fuma. A cena permanece por segundos.

Interna / Quarto do Guto / manhã

Guto, acelerado, ansioso, com o coração batendo de pressa colocando as últimas coisas na mala. Foco para última coisa que é o figurino do personagem Tobias. Já pronto liga para o Tom:

Zezé!

Zezé é hoje!

E hoje é só o começo!

To lógico. Eu vou pegar a Bijou, a Lia, o Galo e a Bel e logo mais tamo aí Muteminhaaa!

Sabe que eu queria saber? (procurando uma caneta) Como é exatamente a frase do Guimarães?

Vemos Guto escrevendo na parede de seu quarto: “Vida devia ser como na sala do teatro, cada um inteiro, fazendo com forte gosto seu papel, desempenho. Era o que eu acho, é o que eu achava.”.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

CENA TOM, por gongom

Dentro do trailer, Bem de noite.

Motor ligado, vento. Tudo está escuro, flashs de farol dos outros carros machucam a vista e iluminam intercaladamente. Frio, aquele frio de estrada, nos ossos. Cheiro de cigarro.

Tom, no banco do carona, procura ansiosamente alguma coisa pra comer, revirando uma caixa de papelão e fazendo muito barulho com os saquinhos de supermercado dentro dela. Ouve-se um “shhhhh”.
Guto dirige e fuma em silêncio.
Na parte de trás estão todos quase-dormindo amontoados. Bocejos e viradas de lado.

Tom acha um pacote de passatempo aberto e começa a comer devagar, olhando fixo pra frente, como se não estivesse vendo nada.

Preocupadão.

Três bolachas depois, ele amarra o pacote e guarda, ainda olhando pro mesmo nada, pensativo:
TOM: Guto, falta muito?

Primeira cena, Gongom.

(Padaria de bairro antiga (não essas novas com cara de shopping). Pedro está de óculos escuros sentado no balcão tomando um café num copo americano. Visivelmente no bira, ele esfrega as mãos na cara e despenteia ainda mais o cabelo armado. Cansaço e suspiros).

PEDRO: Opa! Me dá um misto, por favor?

Chapeiro: Quente?

PEDRO: Quê?

Chapeiro: Quente ou frio?

PEDRO: Ah, quente.

(Miguel senta no lugar ao lado):

MIGUEL: Peguei um chocomilquinho, ó. (mostrando a garrafinha).

(Silêncio)

(chega o misto, pedro tira o óculos, mastiga devagar com os olhos fechados e fala com a boca cheia)

PEDRO: A gente não devia ter emendado, que idéia imbecil. Que horas são heim? (olha no celular) Fodeu, a gente tá muito atrasado. Vamo aí.

(deixa metade do misto)

Do lado de fora da padaria, na alvorada do dia, eles se agasalham, colocam os óculos escuros e abrem a porta de um trailer mal estacionado com as rodas em cima da guia:

PEDRO: Vamo aí.

(Entram).
SEREINHA E CLARICE
Sereinha de camisetão preto na água cantarola Opus 9 n2 In
E-Flat, de Chopin, sozinha olhando o céu, girando e
dançando...
SEREINHA
(cantando)
Clarice a flagra, aproxima-se devagar até sentar-se na
margem.
SEREINHA
É uma música nova, foi a Alice que
me ensinou, ela disse que novos
lugares merecem novas músicas. Aí
gostei dessa, acho que as sereias
gostam dessa.
Clarice ainda a observa, não demonstra nada, apenas a olha.
SEREINHA
Se você falasse, eu te ensinava,
pena que você não fala...
Sereinha volta a cantar e esquece de Clarice por um tempo.
CLARICE
Ei, Sereinha.
Sereinha pára a cantoria e a olha um pouco espantada, mas
sorri logo em seguida.
SEREINHA
E fala, é?
CLARICE
Claro que falo. Me ensina essa
música?
Sereinha começa a ensinar Clarice, elas cantam juntas dentro
d´água a primeira parte. Clarice vai dizer alguma coisa, mas
retrae-se. Quase sorri. Mas não sorri, sai da água muda e
vai embora.
SEREINHA
Tá maluca é?
(...)
SEREINHA
Eu heim... cada um que a gente
encontra...
2.
Sereinha volta a dançar, girar e olhar o céu, cantarolando a
mesma música.

Lia pra Lia

Lia ao telefone.
-Oi Gongão, foi você que me trouxe?
-Não???
-Ah, nada não... só queria tirar uma dúvida, então tá, a gente se vê mais tarde.
-Beijo.

Lia na Cinemateca, pergunta ao moço da portaria.
-Oi, acharam uma mochila ano retrasado, em setembro mais ou menos?
-Olha, isso já faz muito tempo, não acha não? Com certeza a mochila não está aqui, se a achamos, já deve ter tido um outro destino.
-Nossa, eu preciso tanto dela, preciso pra ir viajar...
-Mas moça, você já está sem ela faz mais de um ano e meio!
-Pois é, é esquisito, mas preciso dela pra ir viajar mesmo, senão não dá.
-Ó, eu sinto muito moça, mas acho que não vou poder ajudar, faz muito tempo mesmo.

Lia no posto de gasolina da Cena Madureira, mesmas perguntas , mesmas respostas.

Lia no Empurra-empurra (monumento), Guto aparece:
-Desencana Liazona, vai sem ela.
-Não dá, Guteba, não consigo.
-Tá com medo de quê? Tem um monte de mochila que vai com a gente.
-Eu preciso guardar certas coisas que não cabem no bolso, as coisas que não cabem em mim...guardar na mochila, pra dar uma divididinha, sabe? A vergonha por exemplo, imagina ela toda só comigo...
-Puta Liazona, você não precisa de uma mochila. Deixa tudo aqui, ou quase tudo... é mais fácil sem tanta coisa pra carregar.
-Será?
-Sim, vai indo pros lados de casa que eu vou buscar a Bijourica. E olha a chuva heim, num tem um guarda-chuva no seu bolso, não, Bichinho?
-Pó deixa, eu amo a chuva.
-Vamo ATRAVESSAR, Liazona!

Lia tira do bolso um texto xerocado, dois maços de cigarro vazios, uns papéis, procura um lixo e vai embora sorrindo.

Cena para Wagner, da Lia

Wagner na Praça da Sé olhando a saída do metrô, sentado.
Olha o céu, olha o chão, olha o céu de novo e força os olhos. Braços e mãos um pouco sujos de tinta amarela, vermelha, laranja e verde.
Um cachorro aproxima-se , Wagner esfrega as mãos, cai um pouco da tinta seca, então ele afaga o cachorro por algum tempo.
Wagner levanta-se, olha o marco zero, vai até o bar e pede uma água. Volta para o lugar inicial. Senta-se, o cachorro reaproxima-se.
-Será que você quer um pouco?- Olhando o cachorro- Eu tenho muita sede, sempre. –Sorri, aí fica sério- Principalmente quando estou ansioso.
Olha pro céu. Ouve um grito conhecido e volta o olhar para sua direção, a saída do metrô.
- E aí Waginão.
Guto e Adelita se aproximam sorrindo. Lia, Sofia, Isabel e Gongom também chegam em seguida. (vê-se a cabeça dos quatro aparecendo nas escadas rolantes)
Então é a vez de Tom e Galo juntarem-se ao grupo.
Todos se abraçam, beijam fazem festa uns para os outros e comentam que estão com muita sede. Decidem juntos ir ao bar comprar algo para beber.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Viajo porque quero, volto porque preciso

- Ou Viajo porque preciso, volto porque preciso; ou Viajo porque quero, volto porque quero.


Ontem, domingo 09 de maio, vários de nós do Travessia fomos ver Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo.

Opiniões divergentes à parte, o filme de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes suscitou diversas questões que se relacionam com o nosso.

'Viajo porque preciso'. À primeira vista, ao menos para mim, tal sentença remetia ao viajar como um necessidade em si. O que vemos no filme no entanto é que a frase está mais relacionada, ao menos em sua origem caminhoneira, à viagem como uma obrigação profissional. É claro que no final das contas o título pressupõe uma certa ambiguidade: precisar para trabalhar, mas para mudar, para esquecer, para se encontrar. Título muito feliz.

E porque nós viajamos então? A princípio pela aventura, porque queremos, queremos outros mundos, outros ares, outras pessoas. Eis minha resposta automática: viajo porque quero. Mas, parando para pensar um pouco, porque voltamos? Não seriam os motivos que nos fazem viajar suficientes para não voltarmos? Em outras palavras: o que nos prende à São Paulo com tanta força que nos leva a ir já pensando na volta? Nossas vidas estão aqui. Sim, mas não é justamente as rudezas desta vida que nos levam a precisar viajar?

Viajo porque preciso. Preciso descansar, descansar para poder continuar a viver no ritmo que a cidade exige. Seria então a minha necessidade de aventura uma vontade programada para dar conta de uma vida desgastante?

Viajaremos. Porque precisamos e queremos. Talvez nem todos voltem. Talvez muito de São Paulo que está em nós viaje com a gente.

Este post acabou por ganhar um tom muito pessoal, por isso convido à todos a pensarem e escreverem aqui sobre essas questões.


***


Uma outra questão que o filme de Aïnouz e Gomes me levou a pensar (sempre em contraponto ao nosso) é o da linguagem e a relação que esta promove entre o espectador, o espaço e as pessoas no filme.

De certa forma, da maneira como o filme é construído, principalmente pelas vozes over, os planos gerais, os diversos tipos de suporte (me falta palavra melhor, leia-se o digital, o super-8, as fotos...) e a ausência de ações dramáticas, leva o filme a uma espécie de registro 'lírico-reflexivo' que conduz o espectador a ver tudo o que está na tela pela mediação do protagonista e suas câmeras.

Bom, é certo que tudo o que vemos no cinema é mediado pelos seus autores e suas câmeras. Não tenho dúvidas quanto à isso. O que me incomoda no Viajo por que preciso... é que isso acaba, ao meu ver, a minar as possibilidades de que a o mundo e a vida filmada surpreendam o espectador, pois está tudo dentro do controle desta mediação, quase não há acontecimentos que fujam do olhar como objeto e este dê lugar ao que olha.

Sinto que deposito expectativas minhas quanto ao nosso filme no filme do outro, mas se há um lugar em que isso pode ser feito, o lugar é esse blog.

Haverão sim momentos 'líricos-reflexivos' no nosso Travessia, o espectador verá e ouvirá o mundo pelo ponto de vista de atores construídos a partir de imagens subjetivas / subjetivadas, pelos sons de suas vozes lendo seus diários e impressões da estrada. Mas estes momentos então darão lugar a cenas, documentais ou encenadas. O que foi então abordado com a certeza das palavras será relativizado, potencializado, problematizado, pela incerteza, complexidade e ambiguidade que só uma cena pode conter. Drama. É claro que haverá sempre a mediação, mas esta estará sujeita à surpresa do tom e da palavra de um ator, do gesto de um desconhecido, da imprevisibilidade da vida, enfim, à tudo de inesperado que uma cena, encenada ou documentada possa conter e que enriqueça um ponto de vista e suas infinitas possibilidades de interpretação.