O Processo de um Filme.

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segunda-feira, 10 de maio de 2010

Viajo porque quero, volto porque preciso

- Ou Viajo porque preciso, volto porque preciso; ou Viajo porque quero, volto porque quero.


Ontem, domingo 09 de maio, vários de nós do Travessia fomos ver Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo.

Opiniões divergentes à parte, o filme de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes suscitou diversas questões que se relacionam com o nosso.

'Viajo porque preciso'. À primeira vista, ao menos para mim, tal sentença remetia ao viajar como um necessidade em si. O que vemos no filme no entanto é que a frase está mais relacionada, ao menos em sua origem caminhoneira, à viagem como uma obrigação profissional. É claro que no final das contas o título pressupõe uma certa ambiguidade: precisar para trabalhar, mas para mudar, para esquecer, para se encontrar. Título muito feliz.

E porque nós viajamos então? A princípio pela aventura, porque queremos, queremos outros mundos, outros ares, outras pessoas. Eis minha resposta automática: viajo porque quero. Mas, parando para pensar um pouco, porque voltamos? Não seriam os motivos que nos fazem viajar suficientes para não voltarmos? Em outras palavras: o que nos prende à São Paulo com tanta força que nos leva a ir já pensando na volta? Nossas vidas estão aqui. Sim, mas não é justamente as rudezas desta vida que nos levam a precisar viajar?

Viajo porque preciso. Preciso descansar, descansar para poder continuar a viver no ritmo que a cidade exige. Seria então a minha necessidade de aventura uma vontade programada para dar conta de uma vida desgastante?

Viajaremos. Porque precisamos e queremos. Talvez nem todos voltem. Talvez muito de São Paulo que está em nós viaje com a gente.

Este post acabou por ganhar um tom muito pessoal, por isso convido à todos a pensarem e escreverem aqui sobre essas questões.


***


Uma outra questão que o filme de Aïnouz e Gomes me levou a pensar (sempre em contraponto ao nosso) é o da linguagem e a relação que esta promove entre o espectador, o espaço e as pessoas no filme.

De certa forma, da maneira como o filme é construído, principalmente pelas vozes over, os planos gerais, os diversos tipos de suporte (me falta palavra melhor, leia-se o digital, o super-8, as fotos...) e a ausência de ações dramáticas, leva o filme a uma espécie de registro 'lírico-reflexivo' que conduz o espectador a ver tudo o que está na tela pela mediação do protagonista e suas câmeras.

Bom, é certo que tudo o que vemos no cinema é mediado pelos seus autores e suas câmeras. Não tenho dúvidas quanto à isso. O que me incomoda no Viajo por que preciso... é que isso acaba, ao meu ver, a minar as possibilidades de que a o mundo e a vida filmada surpreendam o espectador, pois está tudo dentro do controle desta mediação, quase não há acontecimentos que fujam do olhar como objeto e este dê lugar ao que olha.

Sinto que deposito expectativas minhas quanto ao nosso filme no filme do outro, mas se há um lugar em que isso pode ser feito, o lugar é esse blog.

Haverão sim momentos 'líricos-reflexivos' no nosso Travessia, o espectador verá e ouvirá o mundo pelo ponto de vista de atores construídos a partir de imagens subjetivas / subjetivadas, pelos sons de suas vozes lendo seus diários e impressões da estrada. Mas estes momentos então darão lugar a cenas, documentais ou encenadas. O que foi então abordado com a certeza das palavras será relativizado, potencializado, problematizado, pela incerteza, complexidade e ambiguidade que só uma cena pode conter. Drama. É claro que haverá sempre a mediação, mas esta estará sujeita à surpresa do tom e da palavra de um ator, do gesto de um desconhecido, da imprevisibilidade da vida, enfim, à tudo de inesperado que uma cena, encenada ou documentada possa conter e que enriqueça um ponto de vista e suas infinitas possibilidades de interpretação.

4 comentários:

  1. viajo porque quero -preciso, volto porque preciso- preciso.

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  2. Compreendo que a voz over e outros recursos de linguagem contribuem para acentuar a presença da subjetividade do narrador, mas não sinto que isso chegue a prejudicar a minha relação com as imagens; isso porque, que fique claro, gosto dessa subjetividade que olha para as rochas com o mesmo amor com que olha para as flores: ambas matérias em desfalecimento.
    Por isso comentei que o recurso do filme se aproxima de coisas que Chris Marker já fez, especialmente em Sem Sol.
    Reconheço a diferença do nosso filme. E jamais me predispus em pensá-lo nas formas do Viajo. Quis chamar a atenção, com os meus comentários, para a questão do olhar, que no caso do Viajo, traduz a natureza da relação entre o narrador e as pessoas e situações que ele filma. Para mim, que tenho tido a oportunidade de passar um tempo razoável atrás de uma câmera, tenho clara convicção de que a objetiva tem esse atributo: filmar o que existe entre as coisas, e não as coisas em si. Portanto, reitero, o que está em jogo no filme do Karin-Marcelo é a relação do personagem com o mundo, que é capaz, ao mesmo tempo, de falar sobre o mundo e sobre essa subjetividade. Não há dicotomia nisso.
    Por outro lado, aceitar e ter consciencia da real situação que nos encontraremos. Estrangeiros, de passagem, deslumbrados..etc. O que isso significa em termos de olhar?

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