O Processo de um Filme.

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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

1º Projeto de Intenções

Este filme nasce da necessidade de se viver a vida e o cinema como uma aventura, uma jornada, uma busca pelo encontro consigo mesmo através da coragem de se viver como se acredita. Travessia.

Nos últimos três anos de faculdade estudamos a evolução da forma como diversos cineastas resolveram representar seus mundos. Entramos em contato com obras maravilhosas, em que a linguagem inovada convergia com uma maneira peculiar de se ver e viver o mundo. Assim é cinema de Godard, Vardá, Truffaut, Cassavetes. No entanto, ao nos voltarmos para a nossa própria produção, via de regra, acabamos por fazer filmes de maneira pré-estabelecida, como se só houvesse uma maneira de fazer as coisas. A nossa própria postura, um tanto influenciada pela estrutura e ideologia reinante no curso (que por sua vez reflete uma ideologia reinante na sociedade), acaba por ser carreirista. Devemos aprender como se faz, para que nos formemos aptos a entrarmos no mercado de trabalho. Somente por alguns momentos, entre a correria de uma produção e outra, nos perguntamos: "É isso o que queremos?"

A conseqüência é que, por mais que os filmes que fazemos se diferenciem pelas linguagens propostas, pelas influências cinematográficas sensíveis, os mundos neles representados, as questões, os conflitos pouca trazem de inovador, de provocativo, questionador. Em outras palavras: Somos capazes de nos degladiar em nossas discussões em classe e na internet para defender uma postura cinematográfica, uma proposta de linguagem, um determinado cineasta, mas pouco discutimos - e quase nada se vê em nossos filmes - sobre como somos quase identicamente consumistas, sobre as particularidades da nossa geração, a nossa sexualidade, amorosidade, apatia política, trabalho, família, sobre muitas coisas, enfim, sobre o modo como escolhemos viver, ainda que muitas vezes não pareça uma escolha.

Isto posto, o filme que escolhi fazer é sobre jovens paulistas diante de suas opções de vida, sobre jovens que vivem e discutem essas suas escolhas, suas qualidades, seus defeitos. Esses jovens são atores, amigos, e as pessoas mais interessantes e generosas que conheço.

A partir da segunda semana de Julho de 2010 viajaremos por 21 dias todos num mesmo veículo, passando por Minas Gerais, cruzando o Rio São Francisco e terminando no litoral baiano.
A pergunta que surge então é: Como isso se fará um filme?

O filme se construirá de modo a convergir tema, linguagem, processo e modo de produção. Uma vez que se trata de falar das escolhas e descobertas da vida de jovens e da opção por não seguir caminhos pré-estabelecidos, filmaremos os atores vivendo as suas próprias vidas. A vida que estarão vivendo é a de viajantes, de aventureiros, de pessoas que se permitem a liberdade e querem cada vez mais dela, de pessoas em busca de conhecer novos lugares, hábitos, vidas diferentes de seus cotidianos, de pessoas que estão seguindo um caminho na estrada, mas também um caminho ao encontro do que desejam ser. Inevitavelmente será também um filme sobre pessoas que estão fazendo um filme; este dado, no entanto, não nos servirá como elemento metalingüístico, mas como parte do processo de se instigar os atores a viverem suas questões e conflitos mais intensamente: justamente por estarmos fazendo um filme enfrentaremos nossos medos, viveremos a fundo as nossas questões. Eis o (novo?) caminho que se abre para a metalinguagem: não nos interessa escancarar o aparato gratuitamente, mas construir sutilmente a ambigüidade para o espectador: “Afinal, isso é realidade ou ficção, essas pessoas viveram realmente isso?” Sugerindo, por fim, que a vida e a liberdade vista na tela é possível de se praticar.

Isto posto, nada nos impedirá de construir cenas, de repetir, de encenar, uma vez que o processo em si pressupõe que a vida e o filme se misturarão, confundirão, ao ponto que no fim da viagem todos poderão dizer: “eu vivi isso”, afinal, vivendo ou encenando, estamos sempre representando a nós mesmos.

Logo ficou evidente o risco de um filme feito assim se tornar apenas um documento de viagem, um registro, e de ficar desinteressante para quem não conhece as pessoas envolvidas. O processo descrito para o desempenho dos atores então daria conta disso: vive-se mais intensamente por se estar fazendo um filme, expõe-se mais seus defeitos, seus conflitos, suas questões, tem-se mais coragem para realizar seus desejos. Mas para que isto se dê de fato, desde já, em nossa primeira reunião, começamos a instigar esse movimento, assim, para cada ator, foi entregue uma carta com o seguinte conteúdo:

"Vida devia ser como na sala do teatro, cada um inteiro fazendo com forte gosto seu papel, desempenho. Era o que eu acho, é o que eu achava."
João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas

1) Nosso filme será uma aventura. A aventura de se jogar na estrada; a aventura de se brincar com a fronteira da vida e da encenação, vivendo no limite dos nossos desejos, questões e conflitos justamente por estarmos registrando quem somos, quem estamos vindo a ser. Iremos filmar a nós mesmos, mas justamente por estarmos nos filmando seremos algo além do que costumamos ser. Então o que você gostaria de viver e ver acontecer nessa viagem?

2) O que te falta coragem para fazer?

As respostas à essas perguntas deverão ser entregues somente a mim, neste caso. Mas ao longo dos meses continuaremos o processo de promover em nós mesmos e coletivamente a abertura necessária para vivermos questões profundas que nos digam respeito, mas que também reflitam demandas da nossa juventude, questões da nossa sociedade, do Brasil. A cada reunião algo novo será proposto, equipe e atores poderão então se perguntarem coisas, trazer filmes que sejam referências significativas pelo conteúdo e/ou pela linguagem. Coletivamente chegaremos ao estado de espírito necessário para a construção de uma obra em si essencialmente coletiva.
Isso nos leva ao ponto final deste primeiro projeto: A linguagem do filme. Como parte do processo, cada ator construirá um diário que terá a forma que cada um optar. Gustavo (Gallo), por exemplo, que é músico, já declarou que irá fazer o seu com suas composições. O filme então alternará sua narrativa entre os pontos de vistas de cada ator, marcado pelo som over da leitura desses diários, que deverá ser gravado ao fim de cada diária, pelo menos como som guia, para uma futura regravação em estúdio. O material desses diários, além de construir a narrativa, servirá para elaborarmos cenas e conflitos. Assim o filme será conduzido por esses fragmentos associados à imagens feitas pelos próprios atores, que serão devidamente treinados para operarem a Canon 5D Mark II, que por ser leve e também uma máquina fotográfica, não deverá causar muitos problemas.

Eis então um filme coletivo feito por um mosaico individual de olhos-câmera. Olhos que permitirão serem olhados por quem quiser e olharem quem e o que quiserem. Um filme vivo, o único que vejo sentido fazer como TCC, como visão de mundo, não autoral no seu conteúdo, pois busca este no mundo e nas pessoas; mas talvez na sua forma, a qual acredito estar plena de uma vontade de se correr riscos, de matar o tédio e o cotidiano, de se viver e filmar como se acredita, não como nos foi dito que deve ser feito.

“Viver é muito perigoso”. Coragem.

Elenco:
Adelita Ahmad (Biju, Adelícia, Lali, Delitinha, Bruxinha)
Gustavo Simões (Gallo)
Isabel Wolfenson (Bel)
Lia Elazari Biserra (Lia, Elias, Lia 2, Bichinho da Areia)
Luiz Augusto Nogueira (Guto, Biju, Felpo, Woofer)
Pedro Henrique Manesco (Gomgom, Carneiro, PH)
Sofia Botelho (Sô, Songa, Cherry Flower, Sub-Woofer)
Tom Butcher Cury (Zezé Mutema, Zela, Gatom)
Wagner Antônio (Cherry Beagle, Waginão, W.A)

Equipe:
Direção / Produção: Tom Butcher Cury
Produção: Diogo Faggiano
Fotografia: Marcos Vinícius Yoshizaki
Som direto e Edição de Som: Alan Gomes Zilli
Música: Gallo, Guto, Gomgom, elenco e Trupe Chá de Boldo
Ass. Direção: Miguel Antunes Ramos

Referências:
Grande Sertão: Veredas - João Guimarães Rosa
Utopia e Paixão - Roberto Freire e Fausto Brito
La Ojarasca - Gabriel García Marques
On the Road - Jack Kerouac
O espinafre de Yukiko - Frédric Boylet
Na natureza Selvagem (Livro) - Jon Krakauer
E sua mãe também - Dir.: Alfonso Cuarón
Easy Rider - Dir. Dennis Hopper
Shadows; Uma Mulher sob influência - Dir.: John Cassavetes
Aquele Querido Mês de Agosto - Dir. Miguel Gomes

Capa:
Pearlblossom Hwy. - David Hockney (1986)

2 comentários:

  1. Tonzinho queridíssimo,

    já te contei que eu tinha ideias parecidas com a sua pro meu projeto de final de ano, né?
    soube do seu lá na Ilha do cardoso...

    bom, lendo agora, descobri que realmente é beeemmm parecido...

    mas não de um jeito ruim, eu acho, mas de um jeito bom!!!

    pq na real a narrativa com certeza vai ficar diferente - que narrativa? não sei... mas o tema, na tela, vai ser diferente...

    eu vou filmar dentro de uma casa.

    encontramos jeitos diferentes de stentar intensificar a vivência dos atores - ou seja, a representação que eles fazem de si mesmos...

    bom, depois te conto mais, talvez a gente tenha boas coisas pra trocar nesses assuntos...

    bessos
    Ana

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  2. ... não vejo a hora de ver o resultado de tudo isso!!!
    Que orgulho TOm!!!
    beijo!!
    e inté a volta da travessia...

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