O Processo de um Filme.

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sexta-feira, 12 de março de 2010

Alex / Sebastião

O personagem que criei para mim mesmo para a Travessia:

http://www.youtube.com/watch?v=ykv2wkiPBWw

http://www.youtube.com/watch?v=FzZa3_qdwpM

O texto lido no dia já segue abaixo:

ALEX / SEBASTIÃO

Meu nome é Sebastião. Cresci e fui educado a bordo de um veleiro cuja capacidade era de 6 pessoas. Até meus 5 anos de idade éramos eu, meu pai, minha mãe e um casal de amigos franceses, Jean e Marianne. Eles são meus pais adotivos. Dos meus pais verdadeiros, não lembro se quer dos seus rostos, tampouco guardo nenhuma foto. Faz 20 anos que eles morreram. Ela se chamava Marina e ele João. Obviamente não tiveram muito tempo pra me ensinar muita coisa, mas o principal eles fizeram: aprendi a falar em português, português do Brasil. Eu sei que meu sotaque é meio estranho, mas isso é porque meus pais adotivos, o Jean e a Marianne é que me educaram. Além disso, eu nunca vivi no Brasil, até agora.

Esta é a primeira vez que entro num continente a fundo pra falar a verdade, de resto só conheço as ilhas, as costas e algumas cidades litorâneas do mundo. Até 15 dias atrás eu nunca havia ficado a mais de 20 km do mar e creio que até hoje seria assim se não fosse por uma coisa que aconteceu.

Há uns três meses, vindos do Sul, nós costeávamos o litoral brasileiro sem nos aproximar muito. Quando atingimos a latitude de 25˚ 33' sul avistamos duas pequenas ilhotas próximas ao continente. Então houve uma súbita queda de pressão atmosférica, o mar se agitou muito, o vento ficou bem forte e irregular, tornando muito difíceis as manobras no barco. Eu já estava bem ávido para conhecer o Brasil e sugeri que buscássemos abrigo no continente, mas o Jean e a Marianne, sempre evitando contato com a civilização, preferiram ancorar em uma das ilhas. Porém a primeira que nos aproximamos era impossível de atracar, não havia praia, somente pedras contra as quais o mar se chocava violentamente. Na segunda finalmente encontramos abrigo, havia uma prainha e passamos uns dois dias lá.

Quando enfim o Sol veio, peguei o veleiro para explorar as redondezas, enquanto os dois resolveram ficar curtindo no acampamento da ilhota, enfim, essas coisas que fazem os velejadores solitários. Então rumei para a outra ilha inacessível. Tive que circundá-la quase inteira para encontrar umas pedras mais fáceis de subir, então ancorei o veleiro e nadei até elas, elas eram bem planas e formavam uma piscininha, então quando uma onda me jogou, passei em um segundo do nado à corrida para não ser arrastado de volta.

A ilhota era de fato linda, melhor do que eu havia imaginado. Uma mistura de terra e rocha vulcânica exposta, de modo que havia diversos tipos de vegetação muitos próximos uns aos outros: mata de restinga, capins selvagens e densas árvores da mata atlântica. Muitos, infinitos de ninhos de todos os tipos de pássaros marinhos se espalhavam pelas escarpas que davam à ilha o seu contorno de vulcãozinho. Minha vontade era de escalá-la e ver lá de cima o continente que eu tanto queria conhecer.

Quando comecei a subir, logo encontrei um fio d'água que descia dos duzentos metros que a montanha devia ter. Estranhei, era uma ilha muito pequena pra conter uma nascente. Passei então a seguir o fio e quando cheguei ao topo encontrei um lindo lago de águas cristalinas onde um dia deve ter sido a cratera daquele vulcão. Não era água da chuva acumulada e quente, era doce, fresca e corrente. Tirei a roupa e pulei. Haviam peixes nadando ali! Peixes de água doce e eles simplesmente não tinham o mínimo receio da minha presença. Então eu notei uma fenda grande quase no fundo do lago. Era um tunelzinho subaquático. Fui, tinha que ir, claro. A idéia era estúpida e com possibilidades suicidas, mas eu já estava ali e tinha que ver o que tinha do outro lado, se é que havia outro lado. Hiperventilei para ter mais fôlego, correndo o risco de desmaiar e mergulhei. Eram cinco metros até a boca do túnel e então nadei mais dez, ou quinze metros. Tinha que voltar ou ia morrer ali. Mas então eu vi que havia luz do outro lado, pois logo à frente a água passava do negror total para um verde escuro. Quase morrendo e quase 15 metros à diante sai da água.

Estava em um outro lago, dentro de uma caverninha. Pequenas fendas nas pedras iluminavam o lugar que tinha grandes matacões redondos cobertos de musgo. Segui por um corredor e encontrei uma outra sala, quase idêntica, só que sem água. Ao invés de água o que se via no chão eram centenas de livros espalhados. Todos tinham 410 páginas, capa dura cor vinho e o título, sem autor, na lombada. Os títulos eram cada um referente à uma pessoa. 'Livro de Pedro', 'Livro de Bruno', 'Livro de Carlos'. Escolhi no livro de Bruno uma página a esmo e encontrei a seguinte passagem: "Bruno estava com 5 anos quando ficou órfão à bordo do veleiro e estava prestes a ser adotado pelos assassinos de seus pais, Jean e Marianne". Estremeci diante do absurdo vertiginoso. O resto do livro era simplesmente a transcrição de minha vida até ali. O que vinha antes era para mim uma revelação: todo meu passado antes dos 5 anos havia sido inventado pelos franceses. Eu morava no Brasil, em São Paulo e nunca havia pisado num veleiro até a tarde em que meus pais foram convidados por aquele simpático e perigoso casal de franceses que haviam acabado de conhecer em Guaecá.

Totalmente cego tomei aquela história como minha sem nem sequer refletir. O medo e o ódio me deixaram num estado quase convulsivo e eu perdi a noção do tempo e da realidade. Em meio ao delírio me vi indo ao veleiro e matando Jean e Marianne. Foi quando encontrei outro livro, justamente o que levava o meu nome: 'Livro de Sebastião'. O que ele narrava era uma história quase idêntica, com a diferença que até os cinco anos a história era exatamente como eu conhecia até ali, sem que houvesse assassinato. O livro terminava comigo entrando na caverna.

Sucessivamente, fui lendo trechos de outros livros e todos contavam a minha história com pequenas diferenças. Alguns começavam mais adiantados e falavam do futuro, outros narravam até o presente. Em alguns meus pais eram assassinados pelos franceses, noutros os assassinavam e passavam a viver sob sua identidade e noutros se quer existiam, os franceses eram meus pais.

Até que por fim encontrei o 'Livro de Alex'. Ele era diferente, não havia a minha história pregressa. Havia a estória de Alex, que começava com ele saindo de uma caverna em uma ilha, despedindo-se de seus pais e indo para o continente, onde encontrava um grupo de jovens viajantes que viriam a lhe ensinar a viver entre os homens. Alex levava consigo um livro contendo o seu futuro. As últimas palavras que li do livro foram: "...então Alex decidiu parar de ler e começou a escrever".


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